Assim mesmo. Simples como a simplicidade em si. Alguém poderá até
acrescentar que o correto seria “Kantu”. Não sei; não sabemos. Mas todos
sabem que se tratou de uma dessas criaturas simples, gente do povo, talvez
sem aderências afetivas ou sociais, que passou resvalando por esse vidão que
o Deus nos dá.
Dona Cantu foi uma velhinha de pernas frágeis, sequinha e de olhos
envidraçados por alguma malvada catarata do abandono da velhice e da
dureza padecente em que vivia.
Morava na Praça Nova, numa casa velha destiorada pelo tempo, lavada
pelas muitas chuvas e batida pelos muitos sóis dos sertões. Na frente, existia
frondoso e alvissareiro tamarindeiro a desafiar pedradas e garotos ávidos.
Descubro-me o quanto éramos os garotos daqueles tempos, cavalheiros.
Nunca negávamos o pronome de tratamento “dona” ou “senhora”, pelo que a
condição de pobre criatura e desafortunada da vida Cantu não autorizou,
jamais, menino do meu tempo a lhe pespegar um “Cantu” desrespeitoso sem
as devidas mesinhas do trato com intimidade.
Não lhe sabemos a origem. Apenas que era uma frágil criatura que vivia
com, ao que parece, uma das suas irmãs ou parentas, ajudava a entregar leite
que era vendido de porta em porta, enfim, uma simples “menina de recado”.
Andava com regulares dificuldades, talvez pela artrose que não poupa os
velhos, mas de uma lucidez à prova, capaz de ter e contar com simpáticas
pessoas que a respeitavam entre elas Dona Maria Cesar, vetusta e rígida mãe
do escriba denunciador que exigia respeito pela “Cantu” e que não admitia que
os filhos apelidassem a Cantu, que ficava fula e raivosa a cuspir impropérios
contra os seus “detratores”, sem contar e relembrar que ela fora aquela que
levava leite todos os dias para os filhos.
Às vezes na calada da fria madrugada, penso e matuto: e se os meninos
daqueles tempos recebessem hoje os apelidos que dávamos nos velhos
daqueles tempos? Deixa pra lá.
Por lembrança de Tânea Gouveia, conterrânea, que ontem fez referencia
ao nome da Cantu, chegou-me a lembrança, uma vez que já escrevi aqui neste
blog sobre outros populares como Queixinho, Vicente e tantos não menos
populares, nas recordações que os velhos, meninos do ontem distante, nem de
longe poderiam pensar que nas brumas do passado enterramos as
recordações.
Obrigado, Cantu!
Até logo, Cantu!